segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Filial                                                               11.12.2010

Depois de sete horas, pernas e pés doloridos, pincéis por lavar e bagunça para arrumar, posso dizer que satisfeita.
De tanto exercitar a visualização de lugares onde gostaria de ser além de estar, imaginei um recanto bem aconchegante, onde se respire paz.
Conforme foi se desenhando no quadro que só eu vejo, a história que vem com o lugar, se ajeitando. Tudo tão simples, que chega a ser brilhante. A idéia, não meu quadro. Retoques são a rotina.
A casa onde mora esse recanto, fica em lugar plano, bem gramado e bastante arborizado. Ao lado da varanda de sentar e contemplar, tem a parreira, que nessa época fica pesada de uvas rosadas e doces. Mais adiante, ao lado do galpão, o cercado da horta, onde colhe-se pés de alface do tamanho  dos de couves, que dividem espaço entre si, além dos tomates e temperos variados.
O lugar dá certa sonolência, de tão quieto. Para essa necessidade, existem redes de algodão cru à disposição para quem quiser relaxar.
No inverno, além do calor da cozinha, tem-se o luxo da lareira na sala. O espaço é o melhor lugar para ler e namorar.
Ali não são permitidos tantos artefatos da modernidade. Todo computador e telefone celular, pode esperar para segunda-feira. Um retiro da vida agitada, tão urbana. A menos que seja para escrever boa história num sábado à tarde. Nesse caso, o notebook se encarrega de guardar as boas idéias escritas relaxadamente.
Ali é permitido fumar, mas muito menos do que de costume. É permitido beber apenas para comemorar a vida, durante ou após jantar, ou enquanto este é preparado.
Outra regra, é a de se cozinhar quando se tem vontade. As receitas das mais simples e cotidianas às exóticas, vindas de todos os cantos do mundo.
O lugar é indicado para reverenciar o amor. Também a amizade, quando os amigos são bem vindos. Raríssimos conhecem o endereço.
É lugar para fugir e se encontrar. Lugar para pensar, refletir, planejar. É também, feito sob medida para estudar.
Cada detalhe simples, existe para lembrarmos quão pouco precisamos para nossa felicidade. O pouco ali é relativo. Tem-se muito, quando cada detalhe é pensado com carinho de quem ama a si e sua casa.
É uma filial de campo da casa branca. Dá um pouco de trabalho manter tudo perfeito, mas essas tarefas deixam de ser peso, pelo bem estar adquirido.
O cantinho retratado é apenas isso, um cantinho. Tem-se que escolher algum para fotografar. Parte do todo,  que só olhos internos conseguem ver.
Na cozinha, fogão à lenha, mesa de madeira tombada, flores, frutas, e outros elementos que traduzem simplicidade. Até mesmo um bom vira-latas, preparando-se para dormir(acho que é irmão de Dora).
Os únicos sons quem não vem da natureza, são os reproduzidos de cd’s. Normalmente a vizinhança ouve de longe musicas clássicas e seus solos de violinos ou pianos. Em alguns domingos, outras vezes ouve-se os sons do jogo de futebol.
Liberdade da democracia é lei. Cada um faz o que quer, o que gosta, como e quando quiser. Não importa o número de pessoas, ou quando apenas uma, a regra permanece. O resultado é sempre melhor quando se sai do que quando se chega de lá.

...

Quando consigo estabelecer contato forte e estável com minhas visualizações, o difícil é trazer-me de volta. Só venho, porque sei que, escritos, sempre poderei ler e acessar todos os dados a qualquer tempo. É um luxo e um alívio. Um green card de outras esferas.
Bom também, é que não preciso limitar-me a um número qualquer de endereços aonde deseje ir. Sempre poderei diversificar as cores e sabores dos meus lugares de ser.
E quando lugar é como esse, quase uma sala de ser dentro de mim, posso variar apenas os acontecimentos que ocorrem nela. Um dia, o foco nas músicas e leituras. Em outro, experiências culinárias. Noutro, o relato de histórias contadas e ouvidas no sofá. Mil histórias em único lugar.
Escrever e pintar lugares de ser. Pode ser boa idéia. Tema vastíssimo para pensar numa próxima.

sábado, 27 de novembro de 2010

Sábado


Saudades do caboclo escrevedor. Pensava durante toda a manhã, que passamos os últimos meses um tanto afastados. Ele parece não ter feito esforço para encontrar-me. Eu, achando que me bastava a escrita sem seu olhar bem humorado, cínico, debochado e... infantil. Pensei-me mais adulta na condição de tentar escrever coisas de gente grande de forma mais solitária.
Ao que parece, cometi um engano de julgamento.
Claro, a saudade aumentada agora por conta de dores da perda dolorosa.
Talvez também, porque o caboclo tenha acompanhado muitas viagens escritas, impulsionadas pelo amor vivido. Foi companhia a esquadrinhar cada detalhe de um período de transformação. Foi companhia sóbria em muitas noites de chilenos sedutores.
É difícil para as pessoas imaginarem o cara. É gratificante espiar  naquele campo de visão que temos além dos limites da tela do computador, os olhos e expressões do ser. Visualizo imediatamente suas reações ao que estou escrevendo.
É de fato a companhia que ando precisando. Como ele fazia ao bater em minha janela, ou simplesmente aparecer do nada, vou agora fazer o mesmo.
Tenho que achá-lo. Ele deve pensar que foi esquecido por mim. Pode andar por outras paragens a acompanhar outra pessoa.
É hora de voltar à vida paralela. Era muito feliz enquanto ia e vinha nos fios de prata.
Se a vida não pode presentear-me com o que penso ser o sonho sonhado ideal, que venham os universos paralelos e suas cores.
Que venha o encontro com amigo querido.
Que venham todas as possibilidades e ângulos, ainda que etéreos, até que eu termine de cumprir o que vim fazer aqui.

27.10.2010

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Mãos

Mãos...


Hoje o caboclo escrevedor recebeu seu primeiro pedido. Uma encomenda. Foi-lhe dito: escreve sobre...
Pois bem, a saber, o tal caboclo goste ou não, reside em mim. Tem lá suas exigências e eu as minhas. Tem suas imposições, desejos, pontos de vista. Eu idem.
Pela primeira vez ele pode desejar escrever uma coisa e eu outra. Nesse embate, ver o que pode sair de útil.
Ele deseja  mergulhar nas teias dos relacionamentos das pessoas. Mais que isso, aprofundar a discussão sobre os sentimentos que envolvem seres que se querem, que se desejam. Descreve ele o relacionamento ideal, atreve-se inclusive a mostrar as mãos entrelaçadas, desenhando como elas se combinam e se completam.
Ele pede que entrelaces tuas mãos.
 Nenhum dedo foge ao conforto do encaixe perfeito. Cada dedo cede lugar ao outro que se encaixa. Nenhum reclama do outro. Os dez ficam em perfeita harmonia, enquanto juntos.
Podes pensar, o que tem isso a ver com relacionamentos?
Embora poucos,  raros, quando muito parecidos, podem chegar ao conforto do encontro. Tais relacionamentos têm guardados em si, segredos só seus.
A posse. Sabem-se um do outro. Ninguém precisa provar nada ao outro. Se o fazem, é por pura satisfação de provocar um sorriso.
O carinho sincero. Basta o olhar em qualquer circunstância para trazer conforto. Os iguais têm sua linguagem própria. Não necessariamente precisam expressar em palavras, pois o outro sabe,  antes que palavra seja pronunciada. O bem querer é tão grande, que um quase vive para a felicidade do outro, pois lhes parece óbvio que se um feliz, o outro também.
A ausência de ciúmes seria característica dessas mãos entrelaçadas. Alguns pares levam anos para chegar à óbvia conclusão. Elas sabem que somente aquela encaixa com perfeição na outra. Outro par seria no mínimo, estranho. Não combinaria. A temperatura, textura, forma. Somente duas tem a combinação perfeita.
Uma mão acredita no que a outra é, fala, pensa, diz, sente. É natural, como respirar. Uma mão não pede fé a outra. Conquista.
O aprendizado mútuo é desejado e aceito. A admiração mútua também. Forte combustível, estimula a vontade do momento eterno. Uma mão não quer que o tempo passe, se ao lado da outra. Quer que passe tranquilamente, sorvendo o deleite da convivência. Se uma por qualquer razão vir a faltar, a outra tende a atrofiar, pois igual, sabe nunca mais. Parecidas, talvez. Igual, não mais.
Convido-te a pensar que outras características te parecem verdades sobre o amor, olhando ainda tuas próprias mãos entrelaçadas. Podes ter aí, a idéia de coisas que faltaram ao caboclo te dizer sobre o assunto. Talvez ele não queira dar-te pronto. Talvez ele queira que penses sobre o assunto.

Assisto aqui sentada, as divagações teóricas do caboclo sobre o amor.

Medos


Medos

Não adianta, o caboclo vai frustrar hoje. Aviso-o. Ele aceita e senta-se na poltrona imaginária. Espalha-se confortável. Sabe ele que hoje é dia de ler. Não de ditar. Ferido em seus brios narcisos e egocêntricos, acata com dignidade minha decisão. Abre mão (hoje) dos holofotes.
...conto-lhe algumas passagens reais..
Ter medo não é ausência de coragem. É conseguir ler a íris do dragão, tamanha proximidade. Poder sentir seu bafo na cara e ainda permanecer sem correr, olhá-lo de frente. É nesse instante que o medo vira coragem de tamanho proporcional. As idéias medo/coragem, observo se
completam em seus objetivos. Andam invariavelmente entrelaçadas, quando se aproximam, como se magneticamente. Inexistem separados.
Vejo a Síndrome do pânico com respeito como a uma entidade. Adormecida, conheço sua potência. Sei que, se deflagrada, levo até quinze dias para retomar atividades simples, usando medicação, que deixo perder a validade em casa(graças a Deus), mas que sempre tenho à mão, para qualquer emergência.
Mostro aqui quão necessárias algumas armaduras. A tal coragem tem sido maior. Não por heroísmo, mas por prevenção. Simplesmente preciso ter coragem, ou posso acabar subjugada à moléstia.
Numa equação simples, medo de sentir medo = coragem.
Simples assim, sem heroínas nessa história contada.
O caboclo sério só me olha, digerindo minhas palavras.
Sugiro a ele outro momento para falar sobre pequenas passagens reais. Haverá tempo, pois ainda que o medo seja inerente à vida, a coragem de continuar também.
 



domingo, 26 de setembro de 2010

ALMA FEMININA


Fadas

Noite longa, vida curta. Eu e o chileno a esperar essa segunda que não chega.
Orçamentos feitos, preços dos sonhos sonhados. Todas as tarefas para, cumpridas. Agora, aguardar. E haja ponteiros de relógios pacientes. Duas noites mal dormidas, não dormidas, incompletas. Ora com sonhos sonhados, ora olhando ponteiros digitais na tela. Aguarda-se. Aguarda-se. Como futuro pai na sala de espera.
Enquanto isso, povoa-se a mente. Livros,...”fala sério”. História nenhuma tem o apelo da sedução, da história contada até aqui. Nada do que há por perto é apelo convincente.
Se não livros, meditação e oração. Depois de um tempo, concentração duvidosa.
Ou ainda, como sempre faço. Sempre que quero criar, escolho o tema, a essência, e povôo a cabeça de imagens. O olhar atrás dos olhos, entupindo de imagens, ângulos, possíveis boas idéias. Containers de imagens. Para depois escolher algumas e desfazer-se das demais como flor despetalando. Sem consciência ambiental.
Gosto das imagens femininas. Não me sinto erotizada na expressão. O corpo feminino  é visto desde que nasci, portanto lugar comum. Mas a essência feminina. Essa justificaria o estudo de uma vida. Tem seu apelo para mim. Tanto que sempre vi a homossexualidade feminina como simples olhar no espelho, resultado de amor-próprio definido e maduro.
Gosto de ver o movimento feminino. Caetano em sua pseudo bi-sexualidade para mim,  a descreve de forma interessante. Ama tanto a alma feminina que permanece homem apenas para tê-la. Sabe não seria suficientemente eficaz em copiá-la.
Enfim, pesquisando imagens, fiquei pensando na quantidade de gente boa que tenta reproduzir o que, em algum momento das nossas vidas, são as imagens das fadas. Material extenso para tentar reproduzir aqui no seu amplo significado para meros mortais. Aliás, sintonizo-,me com qualquer pessoa que tenha buscado significados, imagens e até interferência desses seres imaginários em suas vidas. Não pelos significados, mas compreendo que são pessoas que como eu, têm suas pontes de fios de prata, que passeiam por outras esferas, explorando todas as possibilidades onde suas mentes e almas consigam alcançar.
Ainda, as fadas. Que imagens sensacionais artistas foram criadas por conta do tema. Mulheres sempre lindas, esguias, com asas transparentes, diferentes das imagens das mulheres-anjos, estas de penas. Seres tão leves capazes de voar. Mais que isso. Seres mágicos, capazes de tornarem reais os desejos de humanos carentes de algo. Os anjos também.
De acordo com a teoria cristã, anjos são assexuados. As imagens, não. Mulheres belíssimas. Suas asas, com penas como da águia real que guardo no quarto, dão-nos a sensação de força para poderem voar. Talvez precisemos pensar em nossa possível “porção-anjo”, no percentual de pureza que desejamos e precisamos ter em nosso corpo e alma. Talvez esteja aí a sedução do olhar parado naquelas asas e rosto angelical. Algumas imagens, com a figura feminina, meio anjo, meio demônio, mostrando os necessários dois lados que todos temos.
As fadas, ainda.A beleza e a leveza. Inseridas num milhão de teorias sobre o assunto. Tem classificações, como a “fada do sol”, “fada disso”, fada daquilo,...normalmente seres da natureza. Há centenas de anos criadas, e já com preocupação ambiental.
De qualquer forma, seres belíssimos. Adoro suas orelhas pontiagudas.
Pensava em tudo isso, enquanto namorava mais um pedaço de parede do meu quarto. Os próximos personagens, só me vêm alados. Fácil ver a vontade de voar. Devo dar pouco trabalho a minha terapeuta. Amaria mulheres-anjo com orelhas pontiagudas.
Inicialmente as imagens de mulher-anjo.  A idéia da morte me fez parar por segundos.
Ainda não. Prefiro explorar a beleza das muitas paredes que ainda pretendo criar. A idéia do outro lado parece ter paredes, se houver, etéreas demais para meus grafites. Não conseguiria esfumaçar como gosto. Quero ainda muitas paredes frias, aquecê-las com a expressão da minha alma. Registrar minha passagem por aqui.
A tentativa hoje, poética além da conta, é a tentativa de desprezar os ponteiros. Concentrada em uma viagem escolhida, interessante o suficiente, não banal o suficiente, filosófica o suficiente. Ainda que seja um quebra-cabeças que acrescentará algo mais a minha existência.
Pela manhã, terei convivido com o ponteiro digital e de quebra, um tanto mais inspirada. Apaixonada. Sem o quê, não seria Andréia.
Amo.
19.07.2010 (dias antes do Dia D)

CÉU DE ESCADA (parte)

...
Essa noite, a mulher sentou-se nos degraus da escada da cozinha. Olhou para o céu de estrelas, limpo, grandioso como Deus.
A mulher viu seu rosto espelhado no céu dessa vez. Cada estrela, uma história vivida. A imensidão e sua paz. O escuro que não trouxe medo dessa vez, afinal, azul ainda.
Tenta ela não questionar o passado. Chega de balanços. Resta-lhe o resultado. Aceita-se como é, ou quase isso.
Olha para o céu ainda. As estrelas, histórias vividas permanecerão por milhões de anos, como e apenas isso: histórias vividas.
Em alguns momentos a mulher com pele resistente ainda. Em outros, a criança feliz.
Ela tende a questionar a imensidão azul escuro. A felicidade estaria finalmente a caminho? A visão do infinito sugere todas as possibilidades. Sonhar de novo. Mais que isso.
A imagem refletida no céu de escada convida...primeiros passos ainda. O bom paraquedista segura-se para não saltar antes, tamanho seu desejo de voar. Assim é.
A mulher um tanto cansada deita-se, dormir consigo.
.....
Bate o cretino do caboclo no vidro da janela. Pergunta primeiro, como pudera ela essa noite ter escrito sem que ele estivesse presente?
Segundo, quando, afinal, pretende ela desfazer-se dessa pele?
Enxerido, encrenqueiro, leva hoje apenas o sorriso da mulher. Terão ainda muitas estrelas prá contar.

CORES

Sempre que sinto esse “caboclo escrevedor” chegar, é a mesma sensação. Preparo-me sem saber o que esperar exatamente.  Algumas vezes premonitório, outras papo tipo “bicho-grilo”, outras a sensação de estar conversando com a tutoria de Deus a meu lado(como se esse algum dia tivesse ausente, tola).
Hoje, cores. Como se cada gesto, palavra, pensamento tivesse colorido especial.
Branco: quando, por exemplo, vejo os gestos da criança nas pessoas. Aquela aura angelical, referindo-me a pureza, já que pequenos anjos sabem ser danados quando querem. O olhar sincero do adulto faz-me ver.
Cinza: pode ser a cor do ar, não o poluído, fisicamente. Adquire essa cor em torno de duas pessoas que não tem seus assuntos claros, bem resolvidos. Uma névoa os envolve.
Verde: vejo, por alguma razão, em torno das pessoas do bem, das bem intencionadas. Sem buscar aqui explicações cientificas, apenas permitir-me o sentir para tentar explicar.
Outras cores básicas teriam sentido para mim, por si só. Mas seria simples demais. O normal, o comum, é uma mistura de cores, tons e nuances em cada contato diário com todo o tipo de pessoas com quem convivo, ou apenas àquelas em quem esbarro.
Dia desses, por exemplo, seria necessário o uso da burca em uma colega de trabalho, que imagina passar-me a imagem de seus bons sentimentos com relação a mim. Seu olhar, gestos e expressões falavam claramente sobre o quanto a incomodo. Imagina poder ver a  alma da pessoa que  expressa com a boca, palavras que contradizem completamente o que consegues ver. Chega a ser engraçado. Como diria Jô Soares, “morro de rir por dentro”. Rir para não chorar. Muito triste ver a infelicidade do outro passando calmamente sob os olhos do meu pensamento. Nesse caso, envolvo-me de lilás, prata, ouro. Juro que funciona. Protege-me.
Meus olhos. Agradeço a Deus todos os dias por eles.
Por muitos anos, precisamente dez, exercitei o desenho e a pintura a óleo em um atelier de uma mestra, em casa vizinha a minha. Um dia, há cerca de um mês, a vi na rua, bem velhinha e talvez já senil, pois percebi que não me reconheceu. Deixei que passasse e meus olhos ficaram pesados de gratidão. Ela deve ter sentido meu abraço imaginário, pois estava com expressão de muita paz. De dever cumprido. Graças a ela, desenvolvi algumas habilidades, hoje um tanto esquecidas.
Ensinou meus olhos a perceber as formas mais sutis, as curvas, a luz, as sombras, as cores e suas infinitas possibilidades. Era como aprender a ler, depois reproduzir e finalmente criar.
Tentando observar a linha dos olhos, aprendi a lê-los. Tentando capturar o movimento, aprendi a entender frações de reações . Tentando reproduzir a beleza de tudo no entorno, aprendi a reconhecer o valor da felicidade quando deparo-me com ela. Tentando reproduzir a felicidade, descobri o amor.
D. Cecília, o nome da generosa senhora, que já na época um tanto idosa, tinha firmeza sutil no seu traçado. Descobrira há muito, uma parte dos segredos das artes dos gênios. Revelara alguns talentos. A mim, tecnicamente, habilitou-me no que diz respeito à produção artística. Mas o que não tem preço, foi a instrumentalização no que se refere a percepção da vida.
Uma coisa é passar os olhos sobre os fatos, as pessoas, o cotidiano. Outra, é delgar o olhar para os detalhes, as nuances.
Hoje, se alguma observação esboço sobre o que vejo, percebo ou sinto, em alguns momentos posso chocar, surpreender, não ser entendida até. Mas tenho consciente meu olhar sobre o  que me envolve e sobre a alma das pessoas. Ás vezes melhor falar, outras calar, aprendizado esse difícil.
Nada tenho demais. Sou comum. Dona Cecília apenas me ensinou a ver “as cores” da existência. A vida, essa sim, preparou-me grande escola. Espero, francamente, ser considerada aprendiz pelo grande Mestre ainda por muito tempo. Se ele não o quiser, que sejam leves as cores do céu.

O começo de tudo

Como força da Natureza, o amor é o que impulsiona tudo o que há de melhor nas pessoas.
O amor que sinto por minha filha e sempre com o estímulo de meu amado, há cerca de um ano escrevi pequeno livro com 13 temas, onde pretendia deixar o que de melhor havia em mim para minha filha que completava 21.
A partir disso, a descoberta do prazer de escrever. De contar histórias. De fazer o leitor visualizar o que eu vejo.
Depois disso, mais textos, mais histórias contadas. No início, relatos na terceira pessoa, com a ajuda de personagens que criei como apoio ao combate ao pudor e a timidez. Aos poucos, como amizade que amadurece, comecei a contar tais histórias na primeira pessoa. Naturalmente.
A tela de plasma, sempre gentil e receptiva, permite-nos a descoberta de quem somos de fato. Permite-nos, desde criar e podermos ser quem quisermos, como na imaginação fertil da criança,até relatar como confidência crua naquele momento com nosso melhor amigo, ou a Deus.
Durante esse ano, a necessidade de escrever e voltar aos grafites e pincéis.
 É um marco inesquecível a ida a uma loja encantadora, que denomino carinhosamente "santuário", onde reencontrei velhos amigos. Os grafites, dos mais simples aos mais sofisticados, pincéis, tintas, telas e toda sorte de instrumentos para a criação.
Nesse dia, no exato momento em que os revi, depois de tantos anos , meu amado testemunhou minhas lágrimas. Emocionada, não tinha noção da falta que me fizeram todo esse tempo.

Então, eis-me aqui. Na tentativa humilde de expor meu trabalho. Ainda o desejo de troca de experiências com quem goste dos assuntos ou ainda a impressão de quem apenas tenha curiosidade.A interatividade é o objetivo. Como pedagoga, entendo que ensinamos enquanto aprendemos e vice-versa. É isso que vale a pena ao final de tudo.
Ainda e também, deixar o registro da trajetória da busca de profundo auto-conhecimento.

...o trabalho não necessariamente estará disposto na mesma ordem em que foram criados. Até porque, devemos todos saber que o tempo é relativo, se avaliado sob vários pontos de vista. Somos, afinal, o resultado de tudo o que ocorreu há trinta anos e há trinta minutos atrás.

PAZ