Sempre que sinto esse “caboclo escrevedor” chegar, é a mesma sensação. Preparo-me sem saber o que esperar exatamente. Algumas vezes premonitório, outras papo tipo “bicho-grilo”, outras a sensação de estar conversando com a tutoria de Deus a meu lado(como se esse algum dia tivesse ausente, tola).
Hoje, cores. Como se cada gesto, palavra, pensamento tivesse colorido especial.
Branco: quando, por exemplo, vejo os gestos da criança nas pessoas. Aquela aura angelical, referindo-me a pureza, já que pequenos anjos sabem ser danados quando querem. O olhar sincero do adulto faz-me ver.
Cinza: pode ser a cor do ar, não o poluído, fisicamente. Adquire essa cor em torno de duas pessoas que não tem seus assuntos claros, bem resolvidos. Uma névoa os envolve.
Verde: vejo, por alguma razão, em torno das pessoas do bem, das bem intencionadas. Sem buscar aqui explicações cientificas, apenas permitir-me o sentir para tentar explicar.
Outras cores básicas teriam sentido para mim, por si só. Mas seria simples demais. O normal, o comum, é uma mistura de cores, tons e nuances em cada contato diário com todo o tipo de pessoas com quem convivo, ou apenas àquelas em quem esbarro.
Dia desses, por exemplo, seria necessário o uso da burca em uma colega de trabalho, que imagina passar-me a imagem de seus bons sentimentos com relação a mim. Seu olhar, gestos e expressões falavam claramente sobre o quanto a incomodo. Imagina poder ver a alma da pessoa que expressa com a boca, palavras que contradizem completamente o que consegues ver. Chega a ser engraçado. Como diria Jô Soares, “morro de rir por dentro”. Rir para não chorar. Muito triste ver a infelicidade do outro passando calmamente sob os olhos do meu pensamento. Nesse caso, envolvo-me de lilás, prata, ouro. Juro que funciona. Protege-me.
Meus olhos. Agradeço a Deus todos os dias por eles.
Por muitos anos, precisamente dez, exercitei o desenho e a pintura a óleo em um atelier de uma mestra, em casa vizinha a minha. Um dia, há cerca de um mês, a vi na rua, bem velhinha e talvez já senil, pois percebi que não me reconheceu. Deixei que passasse e meus olhos ficaram pesados de gratidão. Ela deve ter sentido meu abraço imaginário, pois estava com expressão de muita paz. De dever cumprido. Graças a ela, desenvolvi algumas habilidades, hoje um tanto esquecidas.
Ensinou meus olhos a perceber as formas mais sutis, as curvas, a luz, as sombras, as cores e suas infinitas possibilidades. Era como aprender a ler, depois reproduzir e finalmente criar.
Tentando observar a linha dos olhos, aprendi a lê-los. Tentando capturar o movimento, aprendi a entender frações de reações . Tentando reproduzir a beleza de tudo no entorno, aprendi a reconhecer o valor da felicidade quando deparo-me com ela. Tentando reproduzir a felicidade, descobri o amor.
D. Cecília, o nome da generosa senhora, que já na época um tanto idosa, tinha firmeza sutil no seu traçado. Descobrira há muito, uma parte dos segredos das artes dos gênios. Revelara alguns talentos. A mim, tecnicamente, habilitou-me no que diz respeito à produção artística. Mas o que não tem preço, foi a instrumentalização no que se refere a percepção da vida.
Uma coisa é passar os olhos sobre os fatos, as pessoas, o cotidiano. Outra, é delgar o olhar para os detalhes, as nuances.
Hoje, se alguma observação esboço sobre o que vejo, percebo ou sinto, em alguns momentos posso chocar, surpreender, não ser entendida até. Mas tenho consciente meu olhar sobre o que me envolve e sobre a alma das pessoas. Ás vezes melhor falar, outras calar, aprendizado esse difícil.
Nada tenho demais. Sou comum. Dona Cecília apenas me ensinou a ver “as cores” da existência. A vida, essa sim, preparou-me grande escola. Espero, francamente, ser considerada aprendiz pelo grande Mestre ainda por muito tempo. Se ele não o quiser, que sejam leves as cores do céu.
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