A pequena pasta no canto da área de trabalho está esquisita hoje.
Sento-me como sempre, olhando a cara do Bóris na tela e os cerca de trinta ícones. Até aí, tudo normal.
Todas as pastas com assuntos de trabalho e algumas de coisas de que preciso.
Até perceber a pequena pasta que começa e mexer, aumentar e diminuir de tamanho, tremer, piscar.
Como se precisasse chamar minha atenção. Atende pelo nome de escritos 2010, incorporada agora a escritos de 2011.
Uma em meio a trinta, contém o que de mais significativo já fiz na vida. A que contém. Me contém.
Divertido imaginar todo mundo que está lá. Quase posso ver a carinha de cada um, enquanto o outro setor do meu cérebro pensa, do creme de milho que preparo e das outras seis receitas cremosas para dias de frio.
Enquanto a tal pasta faz horrores pra chamar minha atenção, penso que meu livro de receitas falta lá. Pesquisa certa para os próximos dois dias. Um sub –arquivo a juntar-se aos outros duzentos já existentes. Histórias contadas pelo meu coração na ponta dos dedos, precisam dos temperos e cheiros que completarão a tentativa de me contar em prosa. Quem sabe poesia, ainda que haja gente mais habilitada que eu para a tarefa.
Feliz. Das carinhas dos personagens queridos, aos sabores que ainda quero viver, das telas que fiz e as inúmeras que ainda farei. Das paredes e pisos que ainda não tatuei. Tudo povoa minha mente nesse momento. Uma festa no Planeta Déia. Permito-me a enésima viagem.
Meu peito está repleto de cores. O jantar está pronto e já não sinto fome. Sou repleta de sabores dos que já fui aos que ainda desejo criar.
Tento sintetizar num único conceito tudo o que me retrata e não consigo. A mistura do cheiro da tinta à óleo, que é perfume, da argila ”albina” que cria outros tons quando queimada, dos temperos em feixes, dos aromas das pessoas que amo. Tudo é um todo que não se mistura, mesmo quando juntos em mim. Cada coisa em cada lugar.
Sentidos exponenciados, como em ”limitless”, as imagens dos olhos internos tentam captar infrutíferas milhares de imagens das que quis produzir às outras tantas que ainda aguardam(coisas ainda saem das paredes). Outro dia, imaginava esculpir plantações de trigo, o arroz que é mais comum por aqui, adoro o seu verde “gritante”. Ainda hoje, pensava nas formas que poderiam sair da mistura de fibras e lã natural. Criei em minha visão uma long chaise prá lá de confortável em cinco minutos. Imagine-se o que é viver em minha mente em um dia. Ou pior, por 45 anos. Over da over da over dose de idéias. Credo, a grife teria até nome, i-Déia’s.
Sou uma viagem, sei. Aguente quem tiver estômago.
Sei também, quando feliz, absolutamente livre. Solta nas minhas viagens. Sempre divertidas, coloridas, quase uma bandeira gay.
A coisa toda é uma dualidade também. Para quem me vê, com essa cara de senhorinha de meia-idade, postura discreta, pseudo-educada, sedentária, normalmente acompanhada à noite de praticamente todo o mercosul engarrafado em cabernet, não imagina a louca do bem que habita em mim.
O resto da viagem será somente meu. Fogem as imagens. Ficam apenas sensações. Essas, que são o bônus da louca. Peço licença para sentir.
Sozinha.